quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

FOTOGENIA ELEITORAL *

A campanha eleitoral para a Presidência da República chegou e com ela os cartazes e
prospectos eleitorais que os candidatos ilustram com o seu retrato.
"É atribuir à fotografia um poder de conversão que importa analisar. Em primeiro lugar, a efígie do candidato estabelece uma relação pessoal entre ele e os seus eleitores; o candidato não submete a julgamento apenas um programa, mas propõe um clima físico, um conjunto de escolhas quotidianas expressas numa morfologia, numa maneira de se vestir, numa pose. A fotografia tende, deste modo, a restabelecer o fundo paternalista das eleições, a sua natureza <<representativa>>, desanrajada pelo sistema proporcional e pelo reino dos partidos.

Na medida em que a fotografia é uma elipse da linguagem e uma condensação de todo um "inafável" social, ela constitui uma arma anti-intelectual, com tendência a escamotear a "política" (quer dizer, um corpo de problemas e soluções) em benefício de uma "maneira de ser", de um estatuto sócio-moral.

A fotografia eleitoral é assim, antes de mais, o reconhecimento de uma profundidade, de um irracional extensivo à política. O que se transmite através da fotografia do candidato não são os seus projectos, mas os seus móbeis, todas as circunstâncias familiares, mentais e mesmo eróticas, todo esse estilo de ser  de que ele é ao mesmo tempo o produto, o exemplo e a isca. É manifesto que o que a maior parte dos nossos candidatos dão a ler na sua efígie é uma situação social, o conforto espectacular de normas familiares, jurídicas, religiosas, a propriedade infusa desses bens burgueses que são, por exemplo, a missa dominical, a xenofobia, o bife com batatas fritas e a comicidade dos cornudos, numa palavra, o que se chama uma ideologia.

A convenção fotográfica é de resto ela propria plena de signos. A pose de face acentua o realismo do candidato, sobretudo se este é munido de óculos prescrutadores. Tudo nela exprime a penetração, a gravidade, a fraqueza. Fixa nos olhos o inimigo, o obstáculo, o "problema".
A pose a três quartos, mais frequente, sugere a tirania de um ideal: o olhar perde-se nobremente no futuro, não olha de frente, domina e fecunda um alhures pudicamente indefinido. Quase todas as fotografias a três quartos são ascensionais, o olhar ergue-se para uma luz sobrenatural que o aspira, o eleva até às regiões de uma alta humanidade, o candidato atinge o olimpo dos sentimentos elevados, em que todas as contradições políticas são resolvidas."
Sabem quem escreveu isto? Foi Roland Barthes em 1956 !
Como puderam constatar, em técnica e estratégia eleitoral estamos actualizadíssimos !
* in MYTHOLOGIES (Éditions du Seuil - 1957 Paris) - (Edições 70 - 1973 Lisboa

ECOLOGIA "FAZ-DE-CONTA"



O Protocolo de Quioto foi assinado em 1997, mas  George W. Bush depressa o mandou às urtigas, desvinculando unilateralmente os EUA do cumprimento dos compromissos assumidos.
 A Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas teve lugar em Haia em Novembro de 2000 e destinou-se a definir os termos da aplicação do Protocolo de Quioto, através do qual os países industrializados assumiriam o compromisso de reduzir globalmente em 5% as suas emissões de gases com efeito estufa até 2010. Era bom que assim tivesse sido, mas não foi, porque a Shell, BP, Statoil, Amoco, International Petroleum e outros se uniram para a criação , no âmbito da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, de uma pérfida Associação Internacional do Mercado de Emissões (International Emissions Trading Association),tendo em vista criar "quotas" de poluição (emissão de gases) para cada país industrializado, permitindo, deste modo, que um determinado país que exceda o seu  quinhão possa comprar a outro que ainda tivesse margem para poluir, ou seja eu, por lei, só tenho direito a um contentor de lixo, mas como sou rico, em vez de reduzir a minha produção de lixo, posso comprar  a parte vaga no contentor do meu vizinho. Isto é protecção ambiental?
Em 2011 o que está a dar é automóveis equipados com o dispositivo "start/stop" que desliga o motor ao fim de uns segundos de imobilização (nomeadamente nos semáforos). A adopção deste dispositivo tem tido por parte das marcas grande alarde empolando uma preocupação com as emissões de CO2 e usado como argumento de venda, como se tratasse duma rosa sem espinhos (na Grécia até há uvas sem grainha). Escondem os espinhos  omitindo que a utilização sistemática deste dispositivo conduz a um desgaste prematuro da bateria e do motor de arranque que obviamente terão de ser substituídos mais cedo, incrementando indirectamente a  produção daqueles componentes..Produção essa cujas fábricas libertarão para a atmosfera tanto (provavelmente mais) dióxido de carbono que aquela que os automóveis libertariam se permanecessem parados com os motores em funcionamento.
Mais do que  preocupações ambientais estão subjacentes  razões económicas e tecnológicas: os fabricantes sabem que as jazidas de petróleo estão a esgotar-se e antes que isso aconteça há que reduzir o seu consumo para dar tempo ao desenvolvimento de novos combustíveis (os cereais já estão a subir de preço porque as searas de trigo estão a ser ocupadas por plantações de cana destinadas a produzir alcool e outros bio-combustíveis). Também há que dar tempo à criação de novos motores, já que os actuais automóveis eléctricos em termos de autonomia e "performance" estão tanto distantes dos convencionais a gasolina e diesel como o Ford T (1908) está para o Ferrari de 2010.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

TARIFA SOCIAL DE ENERGIA

O Conselho de Ministros de 14.10.2010 aprovou, na generalidade, a criação da tarifa social de fornecimento de energia eléctrica a clientes finais, (finais porque, pelo aumento dos preços vão deixar de consumir - este "à parte" é meu), que se encontrem numa situação de carência sócio-económica, nomeadamente:
I)   -   Os beneficiários do complemento  solidário para idosos
II)   -  Do rendimento social de inserção
III)  -  Do subsídio social de desemprego
IV)  -  Do primeiro escalão do abono de família
V)   -   Da pensão social de invalidez.
Este diploma, inserido na Estratégia Nacional para a Energia 2020, estabelece o acesso à tarifa social através de um critério de elegibilidade que tem subjacente as prestações atribuídas pelo sistema de segurança social. Para 2011, o aumento anual da tarifa para os beneficiários da tarifa social não será superior a 1%. Estima-se que a tarifa social possa abranger cerca de 670 mil agregados familiares.

Até aqui um céu azul, límpido. Agora as nuvens negras e sinistras:

- Os 1% são calculados sobre a energia contratada e não sobre os consumos de energia e resultará num desconto MENSAL de 60 a 8o cêntimos
Não desconfiaram da esmola?

Independentemente do valor ridículo do desconto, o que  admira é apelidarem esta medida de SOCIAL. Se este desconto é uma medida social, que epíteto merecerá o prémio de três milhões de euros atribuídos ao presidente do conselho de administração da EDP? Na mesma ordem de ideias a  preocupação social subjacente a este prémio, deveria conduzir à canonização do seu mentor, elevando-o à condição de santo. A Madre Teresa de Calcutá não precisou de tanto para ser santificada.

Poder-se-á argumentar que 60 cêntimos é pouco, mas sempre são 670 mil agregados familiares.

Pois é. Lá dizia um rico para outro rico:
- É pá,  ser pobre deve ser bom!
- Porquê?, pegunta o outro
- É que há tantos !
Um argumento falacioso.No Brasil o desconto varia entre 10 e 65% e abrange 14 MILHÕES de carenciados.
Não se trata de ser pobre e mal agradecido, mas convenhamos que uma  esmola mensal de 60 cêntimos não dignifica quem a dá e humilha quem a recebe.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

E(uro)COLÓGICOS RENOVÁVEIS

O consumo de energia eléctrica era um assunto que mexia (curiosa coincidência) comigo. Mexia comigo e mexia com todos os portugueses que pouparam electricidade em 2010.

Uns por razões ecológicas, correspondendo aos apelos da quercus e ao spot televisivo para não deixarmos os televisores em stand by, outros por razões económicas: desemprego, quebra de receitas e outras maleitas.

Fosse porque fosse,o consumo de  energia diminuíu !

A EDP de tão preocupada que anda com o ambiente, resolveu premiar estes ecológicos consumidores, estes fantásticos poupadores de energia.

Como? Aumentando o seu preço em 3.9 por cento em 2011.

É que, diminuindo o consumo, diminuem os proveitos e diminuindo os proveitos diminuem os dividendos a distribuir aos excelsius acionistas e estes sentir-se-iam injustiçados.

Tal como disse Públio Siro: "Etiam qui faciunt, Oderint injuriam" ("Até os que a cometem, detestam a injustiça")!

Anda cá anda !


SUCH ou SUCK ?

SUCH (Serviço de Utilização Comum dos Hospitais) foi criado em1965 com o objectivo de rentabilizar o rendimento económico dos hospitais, mas tudo leva a crer que, após as conclusões da auditoria efectuada pelo Tribunal de Contas, esta designação venha a ser alterada para SUCK (chupar/mamar) que é o que tem vindo a  fazer, como segue:

* Prémios atribuídos a três directores comerciais desta central de serviços no biénio 2007/2008, que ascenderam a quase 130 mil euros, sendo que, conforme salientam os responsáveis pela auditoria, o prémio anual atribuído àqueles directores comerciais "representa o equivalente a aproximadamente 5 meses do respectivo salário base"

* Pagamento de despesas com viaturas que não eram utilizadas para fins exclusivamente profissionais (se calhar levavam o carro  oficial para a praia por pura filantropia - nunca se sabe quando será necessário fazer RBB /respiração boca-a-boca a um náufrago:

*Ao todo são 25 carros, alguns com "cilindrada superior a 2.0 e igual ou inferior a 2.7" e "valores de renting mensais entre os 800 e os 1150 euros e sem limites anuais de despesas  com a utilização de viaturas" (e andam os bombeiros a fazer peditórios na rua para comprar uma ambulância);

* Os custos com as remunerações pagas aos membros do conselho de administração do SUCK (perdão do SUCH) cresceram mais de 50 por cento entre 2006 e 2008, para quase 1,4 milhões de euros (escrevi propositadamente a palavra mihões em minúculas para não ficarem  chocados) e que os abonos de despesas de representação foram pagos com valores superiores aos das categorias dos gestores e 14 vezes  por ano em vez das 12 estipuladas, sem que nunca tivesse havido qualquer deliberação da comissão de vencimentos.

* Concluíu o Tribunal de Contas que este tipo de gestão (?) - a interrogação é minha - "não contribuíu para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e fez com que as próprias contas do SUCK (e ele a dar-lhe, do SUCH) derrapassem e que o endividamento por via do crédito crescesse: os resultados líquidos foram negativos em 4,4 MILHÕES em 2008 e em 5 MILHÕES em 2009.

E qual é a conclusão do governo às conclusões a que o TC chegou?

Simples: Cortam-se as horas extras aos médicos, enfermeiros e afins,  reduz-se a comparticipação nos medicamentos e meios auxiliares de diagnóstico, acaba-se  a isenção de taxa moderadora ao "pilha-galinhas" que tenha o estrondoso subsídio de desemprego de 481 euros mês .
Aqui devo ressalvar que mais do que poupar recursos que tanta falta fazem para as mordomias do SUCH, o espírito que presidiu  à implementação das taxas moderadoras foi, "ipsis verbis", criar um instrumento "moderador, racionalizador e regulador do acesso às prestações de saúde", porque os portugueses repartem os hábitos entre irem  vêr montras para os centros comerciais, com as idas às urgências dos hospitais .

 Quem é que nunca oscilou entre ir beber um copo às docas ou à 24 de Julho ou ao Hospital de Santa Maria "chutar" para a veia um litro de soro?

 Quem é que nunca hesitou  entre ir ao cinema ou ao Hospital Garcia da Horta "snifar"
 uma de oxigénio com Ventilan?

Acabaram-se luxos à borla . Agora o consumo mínimo é de 10 euros. Portanto já sabe: se tiver uma forte dôr de cabeça, deixe-se estar quietinho em casa à espera que lhe doam tambem a garganta, os olhos e ouvidos porque acabou-se a "mama" de ter quatro médicos para uma sintomatologia; é mais racional e rentável para o Hospital ter quatro sintomatologias para um médico.

Anda cá anda !